O locador pode cobrar atrasado o reajuste do aluguel, mesmo depois de muito tempo?
- Advogado FGM
- 2 de jun. de 2019
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É comum nas relações locatícias, sejam elas de comércio ou residência, o proprietário do imóvel fazer a cobrança tardia dos reajustes do aluguel, cobranças que deveriam ter sido feitas em momento anterior.
Uma vez sentido a necessidade de aplicar os reajustes atrasados, o locador determina ao inquilino o pagamento de uma diferença restante, com o objetivo de recuperar o que deixou de ser cobrado, sob pena de não dar quitação das prestações locatícias.
A cobrança retroativa do reajuste de aluguel pode ser dar durante a vigência da relação locatícia ou até mesmo fora dela, quando já rescindido o contrato, extintas as obrigações entre as partes. Todavia, é mais frequente ocorrer no despejo do inquilino, ou quando este notifica ao proprietário sua intenção de desocupar o imóvel.
A lei autoriza a aplicação anual do reajuste do aluguel, desde que seja indicado em cláusula expressa no contrato. O problema surge quando o reajuste é cobrado de maneira retroativa, atrasada, exigida em período posterior. Verificado essa situação, surgem dúvidas a respeito da possibilidade de aplicação e qual seria o índice adotado para reajustar o valor.
Em razão de não existir dispositivo na lei do inquilinato disciplinando essa matéria, coube a doutrina e aos tribunais estaduais formularem conclusões acerca das questões envolvendo a cobrança retroativa de aluguel, expondo os critérios de suas decisões.
A jurisprudência predominante entende se o locador deixar de cobrar o reajuste do aluguel por dois ou três meses, poderá ainda fazê-lo, com correção monetária e de forma retroativa, mas estará proibido de exigir do inquilino a inclusão de multa e juros, pois a omissão foi exclusivamente sua.
No caso acima é permitido concluir a ocorrência de simples tolerância por parte do proprietário, condição que permitirá realizar o cobrança retroativa do reajuste do aluguel. Bastará notificar o inquilino qual será a data de início da aplicação do reajuste.
Agora, se a negligência do locador em reajustar o aluguel perdurar por mais de três meses, não será possível a cobrança dos reajustes retroativos, pois, nessas circunstâncias, a jurisprudência considerada a realização de um acordo tácito entre as partes, em razão do proprietário ter recebido sem oposição o pagamento dos aluguéis sem adotar o reajuste, dando ao inquilino as respectivas quitações.
Uma vez dado a quitação dos valores pagos, não poderá o proprietário exigir a aplicação do reajuste de forma retroativa, em razão dos valores já terem sido adimplidos anteriormente, sob pena de violação ao princípio da boa-fé objetiva. Poderá o proprietário reajustar o valor do aluguel, mas deverá esperar a data prevista no contrato.
O porque deste entendimento, utilização do princípio da boa-fé objetiva
O entendimento firmado pelos tribunais referente a proibição da cobrança tardia do reajuste do aluguel se pauta no princípio do boa-fé objetiva, princípio que limita as partes no exercício do direito subjetivo, insculpido no artigo 422 do Código Civil.
Entende os tribunais que o recebimento dos aluguéis pelo proprietário sem a devida aplicação do reajuste caracteriza renúncia a esse direito, fato comprovado pelo recibo de quitação dos locativos. A declaração de quitação dos locativos desde o início do contrato não permite a aplicação do reajuste de forma retroativa.
A postura adotada pelo proprietário, de abdicar do direito de reajustar o aluguel por um longo período de tempo e dar recibos dos valores pagos, gerou a legítima confiança no inquilino de ter quitado as prestações locatícias passadas. Caracterizado essa condição, o proprietário não poderá mais exercer esse direito.
Além disso, esse raciocínio adotado é harmônico ao preceito contido no artigo 322 do mesmo diploma legal: “quando o pagamento for em cotas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores.”
Segue a ementa do Acórdão proferido em apelação cível pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, reforçando a proibição de reajuste retroativo de aluguel, que segue abaixo:
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - DESPEJO - COBRANÇA DE ALUGUÉIS - ILEGITIMIDADE ATIVA - REAJUSTE RETROATIVO - PRESCRIÇÃO PARCIAL - PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA - SUPRESSIO. Comprovado haver o locatário dado plena quitação aos aluguéis e extinguindo quaisquer obrigações decorrentes do Contrato de Locação, não há que se pleitear posterior recebimento de diferenças. (TJMG - Apelação Cível 1.0363.12.001386-9/002, Relator(a): Des.(a) Newton Teixeira Carvalho , 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/10/2016, publicação da súmula em 09/11/2016).”
A forma correta de aplicar o reajuste
Já sabemos que se o proprietário deixar de cobrar o reajuste do aluguel por dois ou três meses, poderá ainda fazê-lo, com correção monetária e de forma retroativa, mas não poderá aplicar multa e juros. Bastará notificar o inquilino qual será a data de início de aplicação do reajuste.
Agora, caso o locador tenha deixado de atualizar o valor por mais de um ano de contrato, qual deverá ser a forma correta de aplicar o reajuste?
No caso de ausência de aplicação do reajuste por mais de um ano, o proprietário deverá utilizar o índice que deixou de ser utilizado, reajustando o aluguel atual pelo índice antigo, não podendo aplicar o índice respectivo ao momento de aplicação do reajuste.
Segue um exemplo: “Se um contrato foi firmado em janeiro de 2017 e não foi aplicado o índice de reajuste até fevereiro de 2019, o locador só poderá reajustar o aluguel do ano de 2019 se aplicar o índice de 2018 (índice que deixou de ser utilizado), tomando-se por base o valor do aluguel em 2017.”
Breve Explicações do princípio da boa-fé objetiva
De todos os princípios presentes no ordenamento jurídico, o princípio da boa-fé objetiva está em um patamar mais elevado na categoria de princípios.
Devido a importância das relações contratuais na economia de mercado, bem como as variadas modalidades existentes de contrato, foi necessário elaborar um princípio capaz de reger normas de conduta, com o escopo de assegurar o fiel cumprimento do contrato, sem resultar prejuízos para os contratantes, inclusive, resguardar direito de terceiros.
Entende-se por esse princípio que as partes, durante a vigência da relação contratual, devem proceder, umas com as outras, com lealdade, respeito, honestidade, proibindo, dessa forma, atos que possam causar danos, independente da intenção do sujeito quem os pratica.
A doutrina e a jurisprudência ensina que o princípio da boa-fé objetiva pode ser usado de três maneiras distintas e autônomas pelo aplicador do direito:
a) Como norma de interpretação;
b) Como fonte de direito e deveres;
c) Como um limite ao exercício de direitos.
A última hipótese acima “Como um limite ao exercício de direitos” faz ligação ao assunto ora discutido. A lei autoriza o proprietário exigir o aumento do aluguel, desde que o reajuste esteja previsto claramente no contrato, discriminando o índice de correção adotado. Caso o locador não exerce esse direito por um período de tempo excessivo, ele não poderá exercer mais. Essa modalidade de aplicação da boa-fé é denominada supressio, sendo amplamente adotada pela jurisprudência.
Carlos Roberto Gonçalves, no seu “Manual de Direito Civil, Contratos e Atos Unilaterais”, Volume 03, colaciona as lições do ex-ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior sobre a supressio, referindo as seguintes palavras:
“um direito não exercido durante determinado lapso de tempo não poderá mais sê-lo, por contrariar a boa-fé. O contrato de prestação duradoura que tiver permanecido sem cumprimento durante longo tempo, por falta de iniciativa do credor, não pode ser motivo de nenhuma exigência, se o devedor teve motivo para pensar extinta a obrigação e programou sua vida nessa perspectiva.”
O princípio da boa-fé objetiva limita o exercício desse direito. Uma vez não aplicado o reajuste do aluguel por um longo período de tempo, gerará ao locatário a justa expectativa de que a situação irá perdurar. Caracterizado essa situação, o proprietário não poderá mais exercer esse direito.
Portanto, são diversos os interesses antagônicos que podem surgir nas relações locatícias entre proprietário e inquilino, as vezes campo de muita disputa e discussão, cabendo aos tribunais adotarem o princípio da boa-fé objetiva para determinar os direitos e obrigações decorrentes do pacto firmado.
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